HEMATOMAS
No chão da sala jaz um corpo inerte, sem vida. Perto dele há um rastro vermelho vindo do quarto, todo o percurso no qual se rastejou em fuga pedindo que sua vida fosse poupada. Acompanhei o primeiro golpe, seguido imediatamente por um grito implorando clemência. Com covardia não consegui encarar o desespero impresso nas faces daquela criatura. Imóvel assisti a todo o massacre me questionando se naquele momento eu era vÃtima ou cúmplice.
Por mais contraditório que possa parecer, não foi o último golpe que o matou. Sua morte foi lenta e dolorosa: hematoma após hematoma o ser ficava mais fraco, até o ponto em que as lesões eram tantas, os ferimentos infeccionados ardiam e a pele arroxeada passou a ser corriqueira. Nesse estágio, qualquer outra facada não faria diferença, não havia mais um desejo pela vida. Julgo dizer que o primeiro golpe foi o mais doloroso (com ele vieram mentiras e indiferença culminando em falta de confiança), nunca esperou uma atitude daquela, não das pessoas (nós) que o tratavam com tamanho carinho.
Com as mãos tingidas de vermelho o assassino olhou satisfeito em minha direção, parecia não entender a gravidade dos seus atos, de quão letais eles eram. Por alguns segundos tomei como minha a culpa por isso, mas não era, em vários momentos tentei alertá-lo, chamar sua atenção, foi então que percebi: insistir não fazia diferença. Rendi-me, apavorada de braços cruzados, a essa realidade com coragem suficiente para ver, mas faltante ao ficar paralisada quando senti vontade de estar ao lado do organismo, lhe confortando, no fatÃdico instante que tossindo sangue deixou a vida.
Aproximei-me dele e com um delicado toque horizontal sobre a pele fria, fechei definitivamente as pálpebras, suas funções vitais já haviam cessado e com elas partiram todos os bons sentimentos que antes tinha pelo assassino. De olhos arregalados contemplo o cadáver do nosso amor.
Autora: Vitória Souza Diniz (eu).
EXPLICAÇÃO:
O conto aborda, por meio de elementos metafóricos, a morte de um sentimento. O amor romântico, representado pelo ser que sofre as agressões, é assassinado por atitudes descritas, tais como mentiras, indiferença e falta de confiança, elementos por si só significativos para a destruição de um relacionamento. O eu lÃrico (quem narra a história), aqui simbolizado pela perspectiva feminina, não exclui o fato de também ter contribuÃdo para o ocorrido (principalmente no momento em que afirma não saber se ocupa a posição de vÃtima ou cúmplice), porém, deixa claro que tentou alertar o assassino sobre os seus atos e, por fim, evidencia que sozinha não conseguiria salvar a criatura (que, no caso, representa o amor) e só restou a ela assistir toda aquela violência, pois relacionamentos (especialmente românticos) não são vias de mão única, dependem da dedicação de ambos os envolvidos.
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