E se eu escolhi o curso errado?

by - abril 03, 2020



Passada a empolgação inicial de ter ingressado na melhor universidade pública da América Latina, a USP, flagrei-me constantemente pensando "é isso mesmo que quero?". Aos poucos fui descobrindo que a atuação literalmente faz jus ao termo gestão (primeira palavra que compõe o nome do curso), o qual tem enfoque totalmente administrativo e burocrático acerca dos recursos naturais. Em outras palavras, guia planejamentos, avaliações, intervenções e manejos de áreas ambientais já degradadas, geralmente no conforto de um escritório. Constatei tudo isso a partir de palestras e conversas com egressos atuantes na área (realizadas no ano passado).

 Quando escolhi o curso tinha consciência desse lado administrativo, mas sinceramente eu estava um pouco perdida e desiludida, queria que esse chamado ambiental salvasse a minha vida e fornecesse uma razão para viver. Um pouco ingênuo, eu sei, mas como o gato do filme da Alice diz "quando você não sabe o que quer, qualquer caminho serve" e ainda tinha a possibilidade de estudar na minha tão sonhada USP...

Sinto falta da matemática e dói saber que talvez não tenha optado seguir nessa área por insegurança, medo de não ser boa o suficiente. Isso porque mesmo apesar das minhas excelentes notas escolares, paixão e curiosidade pela disciplina, nunca fui premiada na OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas), o que para minha mente ansiosa e depressiva era motivo suficiente para me tornar incapaz de ter êxito. O meu perfeccionismo e a alienação da percepção de que por sermos humanos o erro é comum e aceitável, impediu-me de seguir os estudos nesse campo.

Entrei na graduação carregando a frustração de não ter tido coragem para escolher o que realmente queria, tentei o tempo todo me convencer de estar seguindo o caminho mais correto, afinal estava lutando por uma causa nobre e do meu interesse: o meio ambiente, a qual me curaria da depressão proporcionando o sentimento de utilidade e o desejo de continuar viva. Não poderia estar mais errada! Pode não ter sido apenas o fator universidade, mas também a somatização da minha adaptação a São Paulo (cidade que mantenho uma relação de amor e ódio), responsáveis pela piora do meu quadro clínico, porém, sem dúvidas a insatisfação pessoal com minhas decisões teve um grande peso.

Deveria ter notado o problema quando foi divulgado o resultado do ENEM: não fiquei feliz, senti-me indiferente. O que é estranho, mesmo tendo sofrido uma crise depressiva após a realização da prova por antecipação catastrófica do meu resultado. Todavia, o que eu poderia fazer nesse momento? A seleção já tinha ocorrido e me esforcei tanto para entrar na USP, minha nota já havia sido usada e foi tão legal compartilhar meu "sucesso", receber os parabéns no facebook.

E agora? Você pode dizer: é simples, só mudar para algum curso da área matemática! Talvez até possa ser, contudo, não é assim que vejo. Ainda carrego as marcas do meu fracasso na OBMEP, tenho muita insegurança. Principalmente porque a matemática do ensino superior é diferente daquela a qual estamos acostumados, vem o medo de não gostar do que irei encontrar, de errar novamente a escolha. Nesse momento penso que se eu não tentar nunca irei saber. Entretanto existe outro fator também: dependo dos auxílios oferecidos pela universidade, e o financeiro só é ofertado para alunos do meu campus, então se eu trocar de curso vou perdê-lo.

 Enquanto não decido sigo onde estou. E essa posição não é de todo ruim, sabe? Tenho um certo apego pelo que alcancei, contraditoriamente é de certa forma confortável. Eu gosto das viagens de campo, de fazer algo pelo meio ambiente, das experiências vividas e o autoconhecimento adquirido no caminho, das amizades que fiz, da independência que a universidade me proporciona, uma grande parte das matérias são interessantes e o ambiente já é familiar. Seriam esses fatores motivos suficientes para permanecer no curso? Eu não sei. Enquanto não decido nada o tempo vai passando e tudo fica mais e mais difícil, não escolher também é uma escolha. 

Além de tudo isso, existe a pressão para fazer a escolha "certa" que me levará a uma vida bem sucedida e a justificativa é a da vida ser única, só há uma chance. Nesse momento me lembro do filme "Mr. Nobody". Uma de suas citações contradizem totalmente essa ideia, segundo a qual "todo caminho é o caminho certo, tudo poderia ter sido outra coisa e teria o mesmo tanto de significado".

É, portanto, um momento difícil, uma questão inquietante. Irei aproveitar a quarentena, já que vivemos uma pandemia de COVID-19 e estou na Bahia devido ao cancelamento das aulas presenciais (o que também não ajuda muito, pois me deixa mais ansiosa e ainda tenho que me adaptar ao modelo improvisado de aula EAD da USP), para pensar um pouco mais sobre isso. Talvez um dia chegue a alguma conclusão.

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