A desagregação das relações humanas
Desde que comecei a fazer psicoterapia (há dois anos) sempre me pergunto o porquê de não copiarmos o modelo de contato psicólogo-paciente (que consiste em encontros semanais de alguns minutos) nos outros relacionamentos. A sensação que eu tinha era de que se nos empenhássemos a seguir esse estilo haveria menos superficialidade nas principais relações humanas.
A consulta psicológica é um momento em que (geralmente) dois seres se encontram com objetivo de reduzir a dor do outro por meio de uma escuta empática, sem julgamento com comentários que guiam a uma reflexão maior. Sei que na vida real esses profissionais contam com um treinamento longo que os guiam na abordagem em consultório. Contudo, se a ideia geral de reunião para acolhimento das angústias e anseios fossem adotadas, seria possível entender mais as preocupações de alguém. Nunca tive um momento desse tipo, de sentar com algum familiar ou amigo e conversar sobre como me sinto, e pelo que percebo é assim com várias outras pessoas, não só comigo. É algo tão simples, mas que faz uma diferença enorme e que poderia fazer também.
É justamente sobre a importância dessa habilidade de escutar que Rubem Alves disserta no texto "escutatória":
"Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil… Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer… Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…".
Analiso, por fim, se nos relacionamos de maneira errada, ninguém ensina como devemos prosseguir. Simplesmente seguimos interagindo aleatoriamente, empurrando com a barriga (de qualquer jeito conforme a correria do dia), é como tocar alguém de raspão quando se poderia abraçar. Mantemos o contato superficial por uma convenção, assim parece que aturamos a companhia por ela simplesmente existir. O fato é que muitas vezes sabemos mais as preferências musicais de um amigo virtual do que a banda ou cor preferida de nosso irmão, falta um empenho quando se trata de conhecermos um indivíduo que aparentemente já conhecemos por fazer parte de nossas vidas, mas que no fim, não sabemos muitas coisas sobre, uma grande e infeliz ironia.
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